Prisões


Nunca fui muito apegada a bens materiais, não tive muitos brinquedos, os poucos que tinha eram mais do que suficientes e também não ligava muito às roupas, sapatos e acessórios, até ao dia em que ganhei dinheiro para comprar uma aparelhagem da Sony com leitor de CD's, uma mala de cabedal, o MEU exemplar das Aventuras de Huckleberry Finn e um calippo de morango.

Foi aqui que a minha vida, sem que eu o percebesse, começou a tomar um rumo que ia contra aquilo que eu pensava ser e que sempre seria, independente.
Fui, inocentemente, perseguindo os meus sonhos, viajando por aqui e por ali, aumentando sempre que podia a minha colecção de livros, cd's e filmes. 

Para além dos livros, cujo número ainda não se tinha tornado preocupante para quem carregava as caixas durante as várias mudanças de casa (eu), comecei a acumular outros objectos, caixas de madeira, jarras, o cadeirão ideal para quando queria ler perto da janela enquanto ouvia a chuva ou a aproveitar o pôr do Sol, uma aparelhagem nova onde podia colocar 3 cd's ao mesmo tempo, o meu tapete onde adorava rebolar, a mesa e as cadeiras da cozinha, em madeira de verdade e que pesavam uma tonelada e claro, electrodomésticos, loiça, roupas, sapatos e muitas coisas mais.

Esse conforto que sentia quando rodeada dos meus objectos impediu-me de realizar um dos meus sonhos de infância, bloqueei e preferi ficar ali, onde nada me faltava, no conforto do meu cadeirão a ouvir música enquanto lia ou observava a rua lá fora.

Consegui mudar de país e trazer a minha tralha toda, tive que deixar para trás, porque não cabiam mesmo, algumas caixas com livros e cd's, caixas que recuperei assim que pude pois não passava um dia em que não pensasse nos meus livros, num armazém, sozinhos e tão longe de mim, só não definhei por completo pois sentia-me segura, rodeada de todos os meus outros objectos que me eram tão familiares e me acompanhavam para todo o lado, tendo cada um a sua própria história.

A vida aconteceu...

Decidi começar de novo, livrei-me de tudo o que possuía, excepto os meus livros, claro.

No espaço de 4 anos consegui juntar coisas a mais, decidi então, aos poucos, livrar-me de tudo o que era supérfluo, começando pelos 15 pares de sapatos que nunca cheguei a usar, malas e outras coisas, é assustador a velocidade com a qual acumulamos coisas que não precisamos.

A limpeza está feita, ficaram apenas as caixas com os livros, mais de 200, os filmes e os cd's.

Nos novos planos que estou a fazer para mim o excesso de bagagem não é bem vindo, mais do que a ansiedade pela novidade, o medo do desconhecido, a possível falta de dinheiro, solidão e outras coisinhas que fazem parte da vida, o que me preocupa é : Como é que faço para levar os meus livros comigo, se os deixar, mesmo que temporariamente, onde é que ficam?
Já pensei na hipótese de os doar a uma biblioteca, juro que o fiz, cheguei a dar 3 livros que me ofereceram, da Margarida Pinto Rebelo, mas os meses passam e em vez de reduzir, o número de livros vai aumentando.

Tenho com eles uma relação muito especial, lembro-me de quando os adquiri, do que senti ao lê-los, da angústia quando reparava que estava quase a terminar, das noites acordada a pensar no que tinha lido, das discussões com as personagens e, por vezes, com o próprio autor, a necessidade de esconder o livro bem longe porque me irritava, as lágrimas, as lágrimas, os telefonemas a meio da noite para as minhas irmãs a contar-lhes o desespero porque as minhas personagens favoritas estavam com problemas, as releituras com novas ideias e sensações dependendo da altura em que os reli.

Há dois meses atrás passei por um alfarrabista em Lisboa, era tarde e já estava fechado, não consigo parar de pensar nele e nos tesouros que lá se devem esconder.

Alguém conhece um bom livro que me ajude a compreender e livrar-me desta minha prisão?

15 comentários:

Anónimo disse...

ò minha querida... são os Teus livros! Não há mais livros que te possam mostrar aquilo que tu já sabes.

Pensa assim... gostas dos teus livros por isso fica com eles! Acontece-me o mesmo... adoro livros!
Mas se queres mesmo te afastar deles , afasta-os de ti basta quereres e assim o decidires... bem pior do que isso é quando tens que deixar pessoas que amas e que te amam e partires cheia de força, alegria e esperança como já o fizeste. Se consideras importante ficar com eles , fica . És humana e tens os teus defeitos assim como todos nós, eu também sou muito apegada às minhas coisas mas quando decido que me quero livrar e mudar... mudo! Não há que lamentar mas sim alegrar-te por conseguires os teus objectivos. Beijo grande e boa decisão...
Sissi

Rodovalho Zargalheiro disse...

Compra mazé um Kindle, pá! :)

Teonanizi disse...

Que tal o Livro do Desassossego?

A disse...

ahahahaha, espectacular final!

vende esse espólio, sabes que essa coisa de guardar os livros é mesmo à portuguesa. tu que és uma pessoa cosmopolita devias era vender essa cena, para comprares mais livros e depois venderes outra vez.

K disse...

1-nao consigo visualizar nenhuma razao p te livrares de livros. Entendo perfeitamente o teu dilema, mas os livros sao basicamente a unica coisa q nao me importo de acartar quando me mudo e olha q sao mais q 200.
2- se nao puderes leva los ctg, guarda los. Sim por favor.dar e nobre (excepto MRP que alem de nobre e um alivio) mas tenho a certeza q vais sentir falta depois.
3- finalmente, quando quiseres passar o sentimento de q a Prisao que te acorrenta e uma coisa ma, escolher outra foto. Esta da vontade de prisao perpetua.

Nawita disse...

Sissi,

mas eu não me quero separar deles, aí é que está, mesmo que eles fiquem dentro de caixas por não ter onde os colocar, não os quero deixar, assim como aprendi algo com eles sinto que deixei também algo de mim naquelas páginas.

quanto a tudo o resto, voltei ao normal, descobri que aqueles objectos que nos parecem tão importantes para o nosso conforto, são apenas objectos.
já as pessoas... fazem-me sempre falta, mas felizmente tenho amigos que se mostram sempre presentes ;)

Nawita disse...

Rod,

impossivel, ler é, para mim, todo um ritual, interessar-me pelo livro, ir buscar o meu exemplar, folheá-lo, sentir-lhe o cheiro e então começar a ler. essas coisas não dão para mim e muito provavelmente nem me permitiriam ir, a meio do livro, ver o ultimo capitulo para saber o fim.

Teonanizi,

com bitacais ando eu! não tens outro?

A,

não, não é tipicamente português. que mal há em guardares os teus livros? falo daqueles que consultas com, ou sem, regularidade, daqueles que queres guardar para passar à próxima geração, por exemplo.
eu não guardo todos os livros que compro, aliás, agora vou buscá-los à biblioteca, no final se quiser vou comprar um exemplar para mim.

uma experiência que ainda não tive, ir a uma feira da ladra para vender, gostaria de o fazer :)
sabes qual é o meu sonho? ter uma loja com os meus livros todos, as pessoas vêm buscar os meus e deixam os deles, e por aí fora.

Nawita disse...

K,

na verdade tenho mais de duzentos, mas prefiro não pensar nisso. a maior parte está em caixas que não abro há mais de 5 anos, nem imaginas a dor.
daí me perguntar se não devia deixá-los ir de uma vez por todas, bagagem pesada, para além da emocional, por vezes não dá jeito.
quanto à imagem, eu tinha uma diferente, mas quando vi esta ela fez todo o sentido. a minha prisão não é assim tão desagradável.


(só carregas os teus livros, ou também carregas caixas de outros?)

K disse...

Carrego os dos outros tb.mas com criterio...

Estudante disse...

Ui, admiro a tua coragem. Eu também adoro fazer esse género de limpezas, mas há coisas que nunca vão fora, nomeadamente os livros. Eu acho saudável livrarmo-nos da tralha, mas também podemos guardar alguma coisinha :P

PS: tb adoro alfarrabistas! ;)

lampâda mervelha disse...

Para dar terás sempre tempo. Para os recuperar... não.

Nawita disse...

K,

os meus livros são de confiança, não encontras lá romances da Barbara Cartland... para grande pena minha :p

Estudante,
há sempre coisas que guardo para além dos livros, muita coisa mesmo, folhas, tenho caixas cheias de pedrinhas, conchinhas e coisas aparentemente sem valor, que me deram os meus sobrinhos.
ui, adoras alfarrabistas? e também perdes a cabeça quando lá vais?

lâmpada mervelha,

o teu comentário assustou-me um bocadinho...

Funny Analana disse...

Não dês nada, se precisares de espaço arranja-se sempre um bocadinho :)

Isa disse...

TU NÃO DÁS LIVROS NENHUNS, TÁS A A OUVIR??

Se bem que o hábito de leitura seja um exercício que pretendo recuperar em breve, assim que o meu défice de atenção o permita, ainda estou traumatizada pela quantidade de livros que se estragaram, quando viemos d'Africa, lá da biblioteca do meu miu querido Avô.E depois pra não se estragarem mais a matriarca da família viu-se obrigada a dar mais uns quantos e a minha irmã arrecadou o que restou. Ando neste momento em negociações delicadíssimas no sentido de chamar a mim o que é meu POR DIREITO, mas tu que a conheces, sabes como é difícil convencer um general de que, lá porque tem a patente, não andou prái a ganhar guerras sozinho. Né?



(... ela deu sapatos, santos deuses ... ela deu sapatos ...)

Nawita disse...

Funny,

ui, não atices a minha necessidade de possuir tudo o que leio.

Isa,

sabes que estás tramada, não sabes?
mas tens-me a mim, aos meus unguentos, curativos e beijinhos. Não vás para a batalha sem ter chegado a enfermeira :)