Liberdade ao contrário

Como a moda, a história é cíclica, como um relógio, as horas passam a maquilhagem perde o seu brilho, as cores desbotam, juntamos-lhes umas purpurinas, acrescentamos um lenço ou outro acessório, subimos ou aumentamos bainhas, fazemos um cós, acrescentamos uns botões, chamamos-lhe Retro Chic. Derrubamos muros para, com as mesmas pedras, construir muralhas e pedimos mais do mesmo.

Tempos houve em que a insatisfação era vista com maus olhos, era algo de subversivo e intolerável tornando-se necessário calar esse sentimento reeducando os reaccionários.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

Hoje em dia subversivo é estar satisfeito com aquilo que se tem desde que as nossas necessidades básicas estejam preenchidas. Tirar um curso que “não dá dinheiro” porque queremos estudar aquilo de que gostamos, exercer uma profissão que não nos torna ricos mas que nos satisfaz e profissionalmente nos realiza, é considerado como loucura, estupidez, vá.

Somos constantemente bombardeados com mensagens que nos dizem que não temos tudo aquilo que precisamos, felizmente alguém pensa por nós enquanto trabalhamos para pagar os nossos créditos e, ao chegarmos a casa, temos mailings de diversas fontes que nos explicam que precisamos de uma casa ainda maior, mais anéis, trocar de carro, férias num lugar paradisíaco, redecorar a casa, um LCD em cada quarto, um novo crédito para pagar todos os outros créditos, um sem fim de possibilidades.

Dizem-me muitas vezes que ainda sou nova, não tenho filhos e posso ir para onde quiser, ter uma vida melhor num país em que os salários sejam mais elevados e me permitam ter ainda mais bens materiais, não percebendo o que ainda faço em Portugal, sobretudo no Algarve, chegando a perguntarem-me AFINAL O QUE É QUE TU QUERES?
Eu? Simples, ter uma vida plena, com tudo o que isso implica, um trabalho que me motive e cujo salário me permita viver com dignidade, ou seja, poder pagar as minhas contas sem recear que me cortem a luz ou o gás (como muitas famílias portuguesas), poder estar livre desse tipo de preocupação para me ocupar do que é mesmo importante, eu e os meus. Não vou ao ponto de dizer que me imagino a ter uma vida espartana, pois espero poder continuar a poder estudar apenas porque gosto, a viajar sempre que possível, tudo sem grandes exageros.

Com o tempo aprendi finalmente a conhecer-me e a saber aquilo que não quero para mim, a ter algumas certezas em relação ao que desejo, a saber o que me é supérfluo (fui minimalista durante 3 meses) e a traçar objectivos realizáveis.

No entanto, hoje mais do que nunca sinto-me um produto da nossa sociedade, sinto-me descalça, não só porque estou descalça, mas porque dos 7 novos pares de sandálias que ali tenho nenhum condiz com o humor do dia.

17 comentários:

A disse...

ahahahahah, excelente nawita.

Nawita disse...

:)

imagino que tenhas o mesmo problemas com os teus chapéus.

Gata das Botas disse...

Eu é com os brincos...
E nem tenho as orelhas furadas!

Nawita disse...

Gata,
:D
o que ainda é pior, é raro encontrar um brinco de mola decente.

Malena disse...

Eu é com os soutiens!! São todos pequenos para tanta abundância! ;)

Ps: Verdade! Tanto nos querem formatar que dá raiva!

A disse...

queremos fotos, para que possamos compreender melhor o problema.

Gata das Botas disse...

Opá, A, tu és mesmo amigo, sempre disposto a ajudar o próximo!

A disse...

sou assim, tenho todo o gosto de ajudar a suportar certos males.

Gata das Botas disse...

E dás sem esperar nada em troca, não é?

A disse...

a minha gratificação está na ajuda em si.

A disse...

auto-gratificação, como gosto de dizer.

Nawita disse...

Malena,

isso é porque és toda coração ;)

Sim, não há pachorra, mas a verdade é que mesmo o mais liberal, o mais rebelde, tem os seus preconceitos e acaba por achar estranho certos comportamentos menos formatados :(


A,

tu, pelo menos, resolves o problema da satisfação e o aumento do consumo de estupefacientes para a alegria.

Sisnando disse...

Isso passa!

lampâda mervelha disse...

Olha olha...

Rodovalho Zargalheiro disse...

Do que tu precisas é de mais sandálias :)

Wiwia disse...

:)

Anónimo disse...

Como dizia o A.Variações: "Estou bem onde não estou."

Com que então 7 pares de sapatos novos? ;0)

Carla